quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Arte Digital e Colaboração I



O potencial dialógico da arte, de um modo geral, é analisado por Eco (1976), em Obra Aberta, onde sugere possibilidades de intervenção do público em obras de artes, no que diz respeito a interpretação e a colaboração. Para Eco, uma obra de arte é aberta quando possibilita ao público diversas interpretações. Eco nos diz que o intérprete, no caso o público, ao entrar em contato com uma obra aberta, é oportunizado a ser “centro ativo de uma rede de relações inesgotáveis, entre as quais ele instaura a sua própria forma (1976, p.41)”. Esse mesmo processo de abertura, na internet, gera não só uma interpretação individual, mas torna o público parte da obra.

Esse aspecto de abertura da obra gera uma outra característica essencial na arte digital, que é a sua virtualidade. Aliás, se pensarmos de forma mais abrangente, concluiremos que toda a arte é virtual, uma vez que ela sempre é potencialmente algo novo. Para Levy (1995, p.15), o virtual não se opõe ao real, mas ao atual. O autor diz também que "virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes”.
Nesse sentido, independente de ser caráter digital ou analógico, a arte por si só convida o indivíduo a se retirar, nem que seja por segundos, do “mundo real” e inserir-se no mundo virtual que ela proporciona.


É quanto ao poder criativo da arte que Levy (1995, p.79) nos diz que “a arte virtualiza o virtual”. Nesses termos, a arte digital constitui-se como auge das possibilidades criativas, pois é potencialmente atual a cada intervenção e interação.  Assim, o universo artístico na cibercultura, configura-se como um mundo regido pela criatividade que nos leva pelo imaginário viver esse “entre lugar” (SERPA, 2002) entre a realidade e a virtualidade.

Em rede, o potencial de virtualidade nas relações aumenta, pois aumenta o acesso, e possibilitam outras vivências virtuais e reais em acontecimento, através da hipertextualidade e da interatividade. A internet, então, possibilita a relação virtual e as atualiza visivelmente. Para Ascott,
  
[...] assim como a realidade virtual em rede transporta a nossa telepresença, e nos dá as ferramentas para reconfigurarmos nossas próprias identidades, a vida social está se tornando não apenas mais complexa, mas também mais imaginativa. Como já insisti muito, há amor no abraço telemático. (2003, p. 34).

 Na Arte Digital a interatividade também é imprescindível ao processo educativo, que Couchot (2002, p.101) chama de acoplamento entre ser humano e máquina. Para ele, a resposta instantânea desse acoplamento dá-se quando ele acontece em tempo real. A interatividade na arte, entretanto, não a qualifica como melhor ou pior que uma obra estática, mas ressalta,
  
Que as tecnologias mudam apenas as condições da criação artística. Mas as mudam em profundidade, mudando concomitantemente, as condições do trabalho do imaginário, das relações entre subjetividade e automatismos mecânicos, bem como da produção e circulação do sentido (COUCHOT, 2002, p.105).
  
Com a descentralização do criador com a obra e com a permissão e a liberdade de interação do público, este assume outro papel no processo, um papel determinante para a obra acontecer: o papel de co-autor. Ela pode ser interativa, estática, dinâmica, digital ou analógica. O que muda são as permissões que o autor dá para o seu público, se este possui liberdade de intervir simultaneamente na obra.
Nesse sentido, essa arte sempre é inevitavelmente colaborativa e cooperativa. Nasce com pretensões mais ambiciosas para o seu público que deixa de ser 'receptor' e se torna parte integrante da obra ou passa a ser autor e/ou co-autor.
 A rede materializa relações colaborativas quando nos mostra as possibilidades de interpretação do público não mais só nas suas mentes, agora, em intervenções disponíveis ao mundo. Um exemplo são os wikis, ferramentas livres e colaborativas na web e abertas à intervenções, incluindo artísticas: desenhos, animações, textos, charges, cartoos, instalações, entre outros.
Essa postura de colaboração, perante a produção de conhecimento é própria de uma sociedade que, devido ao seu contexto científico-tecnológico, não quer mais ser só consumidora, receptora, espectadora.
Por esse motivo, vivências artísticas dentro da cibercultura podem ajudar a dissolver, inclusive, concepções tradicionais dentro do ensino da arte, pois padrões artísticos, cultuados pelo academicismo, advindos da cultura clássica norte-americana e européia, podem ser repensados, uma vez que na rede se pode copiar, colar, modificar, interagir, distribuir, refazer, desfazer. A arte digital, nesse sentido, tem o processo como parte da obra. Prima pela participação e pela construção de novos sentidos. Nesse sentido, Prado (2002, p. 117) diz que "o artista é mais um potencializador de ações do que um produtor de artefatos".
Aliar uma visão de arte (digital) libertadora e colaborativa a uma cultura (digital) descentralizadora pode nos levar, de fato, à uma vivência social mais digna e menos competitiva, quando intencionadas a isso. Afinal, "a criação em rede é um lugar de experimentação, um espaço de intenções, parte sensível de um novo dispositivo tanto na sua elaboração e na sua realização como na sua percepção pelo outro" (PRADO, 2002, p.123). A inclusão digital através da arte, dessa forma, pressupõe e proporciona uma quebra de concepções preconceituosas, elitistas e conservadoras sobre a arte. A hibridação entre autor e público/espectador permite outra relação com a obra. Assim, o papel artista na cibercultura muda e transforma o olhar, o apreciar, aguça a percepção e oferece outras direções. 

Referências

ASCOTT, Roy. Arquitetura da Cibercepção. In: LEÃO, Lúcia. Interlab: Labirintos do Pensamento Contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.  p.31-37.
COUCHOT, Edmound. O tempo real nos dispositivos artísticos. In: LEÃO, Lúcia. Interlab: Labirintos do Pensamento Contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.  p.101-106.
____________. A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
____________. A era da simulação. 2007a. Disponível em: < http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-read_article.php?articleId=22 > Acesso em: 20 out. 2007a.
____________. Mercado de arte não está pronto para era digital. 2007b. Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u62541.shtml> Acesso em: 20 out. 2007b.
ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1976
LÉVY, Pierre. O que é o virtual. São.Paulo: Editora 34, 1995.
____________A Cibercultura. São. Paulo: Ed. 34, 1999.

LEMOS, André. Cibercultura: Alguns pontos para compreender a nossa época. In: LEMOS, André; CUNHA, Paulo (Orgs.). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003. p. 11-23.

____________. A arte Eletrônica na Cibercultura. Disponível em:<
PRADO, Gilbertto. Experimentações Artísticas em Redes Telemáticas e Web. In: LEÃO, Lúcia. Interlab: Labirintos do Pensamento Contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.  p.115-123.
SERPA, Felippe. O Mal estar da contemporaneidade. 2002. Disponível em: < http://www.faced.ufba.br/rascunho_digital/textos/177.htm> Acesso em: 20 out. 2007. 




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