quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Reflexões sobre ambientes colaborativos para produção artística - o caso do Twiki



 Os processos de aprendizagem hoje na cibercultura caracterizam-se sobretudo pela concepção de conhecimento livre. É bem verdade que a tecnologia digital insere-se nos meios  da sociedade contemporânea convidando o sujeito a interagir, deixando sua suposta posição de passividade diante dos meios de comunicação. Assim, a Internet instala-se como um novo espaço com novas regras sociais, pois a rede mundial de computadores, segundo Silveira (2003, p.37) “é um espaço  essencialmente colaborativo.  Ao contrário das mídias tradicionais, a interação é a sua alma.”

Com o advento da cultura dos softwares livres que a interatividade e a interação ganham nova conotação e função. Agora, a colaboração e a cooperação, indicam um sujeito mais participativo ainda, que além de relacionar-se aos estímulos, também cria, modifica, apaga, refaz, substitui dados e torna-se não só parte do produto/obra mas também autor e/ou co-autor.
Essa forma de lidar com o conhecimento ganha força com o movimento dos softwares livres, inicialmente espontâneo e informal entre comunidades hackers espalhadas pelo mundo, onde é comum a troca de informações e de código fonte de softwares. Porém, a formalização desse ato de colaboração, se deu em 1985 com a criação da Free Software Fundation através do americano Richard Stalman, que se rebelou contra uma empresa em que se negou repassar-lhe o código fonte de uma impressora para que ele ajustasse as suas necessidades.


A Free Software Fundation se encarregou também de criar o Copyleft, trata-se assim de uma ironia ao modelo de licenciamento de propriedade intelectual privado: o Copyright. Ao contrário do modelo proprietário, o Copyleft pode ser entendido como deixe copiar. Porém, para um software ou qualquer produção intelectual ser livre, precisa obedecer a quatro liberdades: a liberdade de uso do produto artistico para qualquer fim, a liberdade de analisar a obra e adaptá-la às suas necessidades. A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo e a liberdade de aperfeiçoar ou modificar a obra, e liberar suas derivações, de modo que toda a comunidade se beneficie.[1]
Dentro dessa cultura de colaboração, nascem os Wikis, ferramentas de produções colaborativas na Web. O exemplo clássico de inserção dos wikis na vida cotidiana atual é a Wikipédia[2], uma enciclopédia colaborativa mundial. Onde qualquer um pode se cadastrar e inserir dados, além de monitorar a veracidade dos conteúdos submetidos. Entretanto, a verdade é algo extremamente questionável, assim, numa crítica à Wikipédia o artista Fábio Oliveira Nunes[3] cria numa plataforma Wiki, a Freakpédia[4], um projeto de webarte que se propõe a acolher o que fora excluído da enciclopédia como um erro ou algo inapropriado.

A diversidade de formas de apropriações dos Wikis na web é infinita, pois os mesmos acolhem blogs, sites, espaços artísticos, acadêmicos entre outros, porém, sempre com caráter colaborativo. Ambientes de aprendizagem nesse espaço, ganham também novas concepções éticas, porque a inserção de conteúdos nesse tipo de espaço é livre, embora exista formas de bloqueio de usuários e de visitação. Os Wikis se adaptam e se moldam as necessidades dos usuários, porém, tem a sua estrutura pensada para projetos coletivos.
Um outro aspecto interessante dessa ferramenta é a sua descentralização. Por ser uma ferramenta com o código fonte aberto, gera diversas famílias de wikis, fugindo assim do monopólio informacional e operacional. O Twiki, por exemplo, criado por Peter Thoeny[5], é mantido livremente por voluntários do mundo todo, incluindo estudantes de computação da Universidade Federal da Bahia que criam diversos plugins ou aplicativos para a ferramenta.


Os plugins são funcionalidades em que o usuário pode ou não instalar no wiki, no Twiki por exemplo, pode-se instalar o Twiki Draw[6] uma ferramenta de desenho colaborativo. Entre outras diversas funcionalidades, o usuário também pode optar pela ferramenta  ImageGalery[7], que organiza imagens na página como uma galeria com o simples ato de anexar arquivos. Tem também um plugin que oferece ao usuário fácil manuseio com slides, para apresentação. E, o mais interessante, um plugin de formatação do lay out na página, ou seja, tudo publicado é manuseável, mutável e colaborativo. Além dessas possibilidades, o Twiki possibilita com os seus plugins, arrumação de tabelas, gráficos, diagramas, entre uma gama de possibilidades e expostas para o mundo.
Além dessas funcionalidades, o Twiki possui ferramentas de notificação para quando há modificações na página o grupo envolvido no projeto ser avisado, possui também ferramenta de busca interna, além de um histórico com todas as modificações feitas pelos usuários.
A edição de conteúdo no Twiki é simples, é só clicar no menu editar, escrever e salvar. Já a sua formatação, bem como a inserção de plugins no corpo da página, será feita com uma linguagem de programação simples. Por exemplo, para colocar um texto em negrito no Twiki, é só envolvê-lo com dois asteriscos: *negrito*.
As páginas criadas dentro do Twiki, ou os links internos são feitas apenas com a inserção de uma letra maiúscula no meio da palavra: maiusCula, ou envolvendo a palavra em colchetes: [link]. As regras de formatação no Twiki também estão disponíveis na web, ilustradas e com fácil linguagem.

O ArteLivre: propósitos e apropriações

O Site ArteLivre, hospedado numa plataforma wiki, nasceu no ano de 2004, criado pelo Grupo de Trabalho de Produção de Arte e Cultura Livres do Projeto Software Livre Bahia, o PSL-BA[8]. O intuito do site inicialmente era de abrigar obras artísticas livres, além de se promover como um espaço estruturante para vivencias artísticas colaborativas, o ArteLivre, preocupava-se primordialmente em se estabelecer como um ambiente que se colocava a disposição do usuário para acolher obras de arte livres ou seja, que pudessem ser copiadas, modificadas, distribuídas e devolvidas ao grupo.
O PSL-BA tinha desde esse período uma forte ligação com a Faculdade de Educação da UFBa - FACED[9], e seus objetivos estavam centrados na conscientização da comunidade baiana a cerca dos softwares livres. Então, a atuação dos membros era sobretudo didática e educativa. Palestras, cursos, oficinas eram comuns nesse período na FACED. O site, a lista de discussão e os diversos ambientes virtuais, complementavam o processo educativo dos novos ou pretendentes usuários do Linux. cartilhas, folders, e material didático digital também se firmaram para dar sustentação ao processo de migração de sistema operacional proprietário para o livre.
Entretanto, apenas em 2005, o Site ArteLivre fora divulgado em massa, através de listas e de e-mails por todo o Brasil, recebendo diversas sugestões, críticas e incentivo, especialmente da comunidade de Software Livre espalhada pelo País.
O ArteLivre, mantido voluntariamente, possui uma estrutura comum de um site, com um menu lateral, com um design neutro em preto em branco, e subseções com modalidades artísticas. A sua estrutura visual fora, sobretudo feita e ajustada a diversas mãos, em tempos simultâneos e em lugares diferentes.
Ironicamente, a comunidade do ArteLivre, tanto do site quanto da lista de discussão, é basicamente formada por pessoas ligadas à computação e ao movimento de Softwares Livres. A participação desses usuários é esporádica e aleatória, entretanto significativa. Nunca houve também casos de vandalismo virtual. Porém, é notável também que os usuários que submetem os seus trabalhos tem afinidade com a ferramenta, o que coloca a dúvida sobre pessoas que gostariam de publicar, mas intimidam-se. O usuário leigo, certamente não vê o ArteLivre como um ambiente promissor e provavelmente não se sente à vontade no espaço.

Como todo ambiente colaborativo, no ArteLivre também é comum acontecer choques de idéias, como por exemplo, membros que querem submeter os usuários do Internet Explorer a terem a sua navegação com um banner flutuante do Firefox, indicando que o mesmo clique e baixe o navegador livre. É normal esse banner aparecer e ser apagado imediatamente, por membros que não concordam com a publicidade livre. O interessante é que ele não deixa de aparecer. E de ser apagado.
Existem diversos projetos significativos no site e outros que obedecem a mesma lógica da arte tradicional, entretanto, o fato de estar aberta a modificações, torna a sua simples exposição com um caráter ideológico diferente. Para Couchot (2003) “na situação dialógica o tempo da imagem interfere no tempo do observador que é também um autor”. Ser potencialmente mutável e visível ao mundo, muda drasticamente todo o processo e a relação de autor e público. Entre os projetos do Site ArteLivre, há que se destacar alguns: a seção de ilustrações vetoriais, a seção de charges, a seção de cartuns, infocentros e educativos.
Nas ilustrações vetoriais, o usuário publica os seus desenhos em formato SVG e assim, permite a qualquer usuário utilizá-lo em modo editável sem modificar a sua estrutura, ao contrário de imagens em JPG, GIF e PNG que são formadas por pixels, e quando copiadas e editadas podem ficar distorcidas. O SVG é também uma extensão livre de arquivos de desenho e atualmente é compatível também como o Corel Draw, o famoso editor de imagens vetoriais proprietário. 
Na seção de charges, há algumas charges que foram feitas a partir de outra veiculada na web, no que diz respeito ao traço e concepção ideológica. As charges são também editáveis, e tratam especificamente do trabalho do desenvolvedor numa empresa de software proprietário.
Em cartuns, o usuário encontra dois projetos: Fôrmas e Formas e o Projeto Cibernós. O Fôrmas e Formas, tem a pretensão de questionar valores de enquadramento na sociedade, e os seus personagens são feitos em formas geométricas. É disponibilizado também, modelos de personagens e desenhos com possíveis expressões faciais, para o usuário que não sabe ou não gosta de desenhar. O projeto de Cartuns Cibernós, fora feito coletivamente com o grupo de pesquisa de Informática na Educação da Universidade de Passo Fundo, e tem objetivos de discutir questões relacionadas a cibercultura. Entretanto, em ambos os projetos não há intervenção até o momento de outros usuários.


A seção de material didático ou educativo reúne conteúdos referentes a produções dentro do site. Como tutoriais, passo-a-passo, cartilhas e afins, além de outros projetos como o Software Livres para leigos, com participação do PSL-Ba.
A seção dos infocentros fora criada por membro de um infocentro de Salvador na Bahia. O mesmo havia feito um curso de webdesign e conheceu o espaço, que serviu de material didático e informativo para o aprendizado sobre Wikis.
O ArteLivre hoje também está abrigando produções de animações de massinhas de modelar de uma turma da sétima série de uma escola municipal do município de Marau no Rio Grande do Sul.
Espaços desse nível podem ter uma participação construtiva na educação. Quando o sujeito em formação, ao manusear tal ferramenta, lida com questões subjetivas de respeito ao outro, ética, respeito ao gosto do outro, além de poder explorar tecnicamente diversas possibilidades. Esse tipo de ferramenta possibilita a construção de projetos de instalação, performance, animações tudo na web. Bem como, para uma inimaginável gama de produções com os seus mais simples mecanismos. Se faz importante, estimular as pessoas a criação em diferentes espaços, diferentes materiais, e situações. Ambientes assim, podem dar suporte, ou ser a estrutura de todo o processo educativo.
Nesse caminho, o sentido de criar e manter ambientes assim na web, ultrapassa questões mercadológicas e de doutrinação de usuários para um sistema operacional. O objetivo maior desse tipo de espaço, não depende do resultado a ser alcançado, mas a processos de convivências ricos e criativos. Nesse sentido, o espaço será sugerido para que seja estruturante do processo de produção de arte digital, de forma que se mantenha como um espaço de encontro e outras produções.
Essa postura de colaboração, perante a produção de conhecimento é própria de uma sociedade que devido ao seu contexto científico-tecnológico, não quer mais ser só consumidora, receptora, espectadora.
Por esse motivo, vivências artísticas dentro da cibercultura, podem permitir que se dissolva inclusive, a dominação político-econômica e cultural a que estamos submetidos, pois padrões artísticos, cultuados pelo academicismo advindos da cultura norte-americana e européia podem ser repensados, uma vez que, quando na rede, se pode copiar, colar, modificar, interagir, distribuir, refazer, desfazer. A arte digital, nesse sentido, prima pelo processo e não pelo resultado final. Prima pela participação e pela construção de novos sentidos.
Aliar uma visão de arte (digital) libertadora e colaborativa a uma cultura (digital) descentralizadora pode nos levar, de fato, à uma vivência social mais digna e menos competitiva, quando intencionadas a isso. Afinal "a criação em rede é um lugar de experimentação, um espaço de intenções, parte sensível de um novo dispositivo, tanto na sua elaboração e sua realização como na sua percepção pelo outro" (PRADO, 2002, p.123). A inclusão digital através da arte, nesse sentido, pressupõe e proporciona uma quebra de concepções preconceituosas, elitistas e conservadoras sobre a arte. A hibridação entre autor e público/espectador, permite outra relação com a obra. Assim o papel do produtor de arte na rede muda, nesse sentido Prado (2002, p. 117) diz que "o artista é mais um potencializador de ações do que um produtor de artefatos".

Assim, a cada inovação tecnológica existe o potencial de infinitas inovações artísticas, pois o poder comunicativo e criativo da arte na cibercultura é determinante para tais criações. Nesse contexto, o senso investigativo é característica primordial para a arte desse século, bem como para os processos educativos  que visem senso crítico e autonomia.

Entretanto, os processos educativos a que estamos acostumados tem a mesma lógica de uma produção artística tradicional e analógica, onde o professor é o ditador de verdades (o artista), e os alunos são receptores de suas idéias geniais (público/espectador), não dando-se conta do seu próprio inacabamento, enquanto artista ou professor. Para Freire, "o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital" (1996, p.50). Para o autor, "quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado, forma-se e forma ao ser formado" (1996, p. 23) e essa premissa, entra em acordo com uma visão de rede, que entende todos como sujeito em formação num processo horizontal, diversificado e simultâneo com o saber.
A arte digital tem como pilar o seu inacabamento e todos são insubstituíveis nesse processo infinito de busca, bem como na sociedade, ser cidadão, implica num processo ativo, único e pessoal perante ao grupo. Pois a subjetividade intrínseca nos processos artísticos, multiplica-se em processos artísticos em rede. Para Levy (1995, p. 78) "a arte está na confluência das três grandes correntes de virtualização e de hominização que sãos as linguagens, as técnicas e as éticas (ou religiões)" para o autor, a arte fascina, porque coloca em prática "a mais virtualizante das atividades".
A arte na rede, para Dyens (2003, p.270) "é uma arte na qual verdades, realidades e sensibilidades se desvelam, mas sempre diferentes, sempre discreta, e principalmente, sempre latentes”, nesse sentido, reafirma, seu poder de instrumento de inclusão social, pois sustenta-se pela diversidade, pela diferença, horizontalidade e igualdade de potencial criativo. Já Domingues (1997, p.17) afirma que "a arte tecnológica também assume uma relação direta com a vida, gerando produções que levam o homem a repensar sua própria condição humana.”  Assim, ao contrário do que muitos dizem, as tecnologias não fazem desaparecer algumas práticas da sensibilidade humana, mas potencializam as já existentes, porém, se tratando da incerteza dos caminhos da imaginação, essas tecnologias têm sim, o poder de criar novas práticas sociais. E quem sabe, ainda mais humanas.


Referências





BLAUTH, Lurdi. 2007. Arte e ensino: uma possível educação estética. 2007. Disponível em: < http://www.publicacoes.inep.gov.br/ > Acesso em: 1 jun. 2008.

COUCHOT, Edmound. A era da simulação. 2007. Disponível em: < <http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-read_article.php?articleId=22> Acesso em: 20 out. 2007.

DOMINGUES, Diana. A humanização das tecnologias pela arte. In: DOMINGUES, Diana.  Arte e vida no século XXI: tecnologia, ciência e criatividade. São Paulo: Unesp, 2003. p. 15-30.

DUARTE JUNIOR, João-Francisco.Por que arte-educação?.São Paulo: Papirus, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LEMOS, André. A arte eletrônica na cibercultura Disponível em:< http://www.universia.com.br/html/materia/materia_fgej.htm > Acesso em: 9 jun. 2007.

LEMOS, André.Cibercultura. Alguns pontos para compreender a nossa época. In: LEMOS, André;CUNHA, Paulo (Orgs.). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003; pp. 11-23.

SANTAELLA, Lucia. Arte e cultura: equívocos do elitismo. São Paulo: Cortez, 1995.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6a ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. 
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Coord.) A globalização e as ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005; 25-102.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A justiça social vai obrigar que se comprometa com a justiça cognitiva. 2005. Disponível em: < http://www.ufmg.br/diversa/8/entrevista.htm > Acesso em: dia fev. 2007.





[1]              trecho extraído do site ArteLivre: http://twiki.softwarelivre.org/bin/view/Arte/CopyLeft#4_Liberdades
[2]              http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil
[3]              http://www.fabiofon.com/
[4]              http://www.freakpedia.org/
[5]              http://twiki.org/cgi-bin/view/Main/PeterThoeny
[6]              http://twiki.org/cgi-bin/view/Plugins/TWikiDrawPlugin
[7]              http://twiki.org/cgi-bin/view/Plugins/ImageGalleryPlugin
[8]              http://www.ba.softwarelivre.org/
[9]              http://www.faced.ufba.br/

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