Com o advento da cultura dos softwares livres que a interatividade e a interação ganham nova conotação e função. Agora, a colaboração e a cooperação, indicam um sujeito mais participativo ainda, que além de relacionar-se aos estímulos, também cria, modifica, apaga, refaz, substitui dados e torna-se não só parte do produto/obra mas também autor e/ou co-autor.
Essa forma de lidar com o conhecimento ganha força com o movimento dos
softwares livres, inicialmente espontâneo e informal entre comunidades hackers
espalhadas pelo mundo, onde é comum a troca de informações e de código fonte de
softwares. Porém, a formalização desse ato de colaboração, se deu em 1985 com a
criação da Free Software Fundation através do americano Richard Stalman, que se
rebelou contra uma empresa em que se negou repassar-lhe o código fonte de uma
impressora para que ele ajustasse as suas necessidades.
Dentro dessa cultura de colaboração, nascem os Wikis, ferramentas de
produções colaborativas na Web. O exemplo clássico de inserção dos wikis na
vida cotidiana atual é a Wikipédia[2], uma
enciclopédia colaborativa mundial. Onde qualquer um pode se cadastrar e inserir
dados, além de monitorar a veracidade dos conteúdos submetidos. Entretanto, a verdade é algo extremamente questionável, assim, numa
crítica à Wikipédia o artista Fábio Oliveira Nunes[3]
cria numa plataforma Wiki, a Freakpédia[4],
um projeto de webarte que se propõe a acolher o que fora excluído da
enciclopédia como um erro ou algo inapropriado.
A diversidade de formas de apropriações dos Wikis na web é infinita, pois
os mesmos acolhem blogs, sites, espaços artísticos, acadêmicos entre outros,
porém, sempre com caráter colaborativo. Ambientes de aprendizagem nesse espaço,
ganham também novas concepções éticas, porque a inserção de conteúdos nesse
tipo de espaço é livre, embora exista formas de bloqueio de usuários e de
visitação. Os Wikis se adaptam e se moldam as necessidades dos usuários, porém,
tem a sua estrutura pensada para projetos coletivos.
Um outro aspecto interessante dessa ferramenta é a sua descentralização.
Por ser uma ferramenta com o código fonte aberto, gera diversas famílias de
wikis, fugindo assim do monopólio informacional e operacional. O Twiki, por
exemplo, criado por Peter Thoeny[5], é
mantido livremente por voluntários do mundo todo, incluindo estudantes de
computação da Universidade Federal da Bahia que criam diversos plugins ou
aplicativos para a ferramenta.
Além dessas funcionalidades, o Twiki possui ferramentas de notificação
para quando há modificações na página o grupo envolvido no projeto ser avisado,
possui também ferramenta de busca interna, além de um histórico com todas as
modificações feitas pelos usuários.
A edição de conteúdo no Twiki é simples, é só clicar no menu editar,
escrever e salvar. Já a sua formatação, bem como a inserção de plugins no corpo
da página, será feita com uma linguagem de programação simples. Por exemplo,
para colocar um texto em negrito no Twiki, é só envolvê-lo com dois asteriscos:
*negrito*.
As páginas criadas dentro do Twiki, ou os links internos são feitas
apenas com a inserção de uma letra maiúscula no meio da palavra: maiusCula, ou
envolvendo a palavra em colchetes: [link]. As regras de formatação no Twiki
também estão disponíveis na web, ilustradas e com fácil linguagem.
O ArteLivre:
propósitos e apropriações
O Site ArteLivre, hospedado numa
plataforma wiki, nasceu no ano de 2004, criado pelo Grupo de Trabalho de
Produção de Arte e Cultura Livres do Projeto Software Livre Bahia, o PSL-BA[8]. O intuito do
site inicialmente era de abrigar obras artísticas livres, além de se promover
como um espaço estruturante para vivencias artísticas colaborativas, o
ArteLivre, preocupava-se primordialmente em se estabelecer como um ambiente que
se colocava a disposição do usuário para acolher obras de arte livres ou seja,
que pudessem ser copiadas, modificadas, distribuídas e devolvidas ao grupo.
O PSL-BA tinha desde esse período
uma forte ligação com a Faculdade de Educação da UFBa - FACED[9], e seus
objetivos estavam centrados na conscientização da comunidade baiana a cerca dos
softwares livres. Então, a atuação dos membros era sobretudo didática e
educativa. Palestras, cursos, oficinas eram comuns nesse período na FACED. O
site, a lista de discussão e os diversos ambientes virtuais, complementavam o
processo educativo dos novos ou pretendentes usuários do Linux. cartilhas, folders, e material
didático digital também se firmaram para dar sustentação ao processo de
migração de sistema operacional proprietário para o livre.
Entretanto, apenas em 2005, o Site
ArteLivre fora divulgado em massa, através de listas e de e-mails por todo o
Brasil, recebendo diversas sugestões, críticas e incentivo, especialmente da
comunidade de Software Livre espalhada pelo País.
O ArteLivre, mantido
voluntariamente, possui uma estrutura comum de um site, com um menu lateral,
com um design neutro em preto em branco, e subseções com modalidades
artísticas. A sua estrutura visual fora, sobretudo feita e ajustada a diversas
mãos, em tempos simultâneos e em lugares diferentes.
Ironicamente, a comunidade do
ArteLivre, tanto do site quanto da lista de discussão, é basicamente formada
por pessoas ligadas à computação e ao movimento de Softwares Livres. A
participação desses usuários é esporádica e aleatória, entretanto
significativa. Nunca houve também casos de vandalismo virtual. Porém, é notável
também que os usuários que submetem os seus trabalhos tem afinidade com a
ferramenta, o que coloca a dúvida sobre pessoas que gostariam de publicar, mas
intimidam-se. O usuário leigo, certamente não vê o ArteLivre como um ambiente
promissor e provavelmente não se sente à vontade no espaço.
Como todo ambiente colaborativo, no ArteLivre também é comum acontecer choques de idéias, como por exemplo, membros que querem submeter os usuários do Internet Explorer a terem a sua navegação com um banner flutuante do Firefox, indicando que o mesmo clique e baixe o navegador livre. É normal esse banner aparecer e ser apagado imediatamente, por membros que não concordam com a publicidade livre. O interessante é que ele não deixa de aparecer. E de ser apagado.
Existem diversos projetos
significativos no site e outros que obedecem a mesma lógica da arte
tradicional, entretanto, o fato de estar aberta a modificações, torna a sua
simples exposição com um caráter ideológico diferente. Para Couchot (2003) “na
situação dialógica o tempo da imagem interfere no tempo do observador que é
também um autor”. Ser potencialmente mutável e visível ao mundo, muda
drasticamente todo o processo e a relação de autor e público. Entre os projetos
do Site ArteLivre, há que se destacar alguns: a seção de ilustrações vetoriais,
a seção de charges, a seção de cartuns, infocentros e educativos.
Nas ilustrações vetoriais, o
usuário publica os seus desenhos em formato SVG e assim, permite a qualquer usuário
utilizá-lo em modo editável sem modificar a sua estrutura, ao contrário de
imagens em JPG, GIF e PNG que são formadas por pixels, e quando copiadas e
editadas podem ficar distorcidas. O SVG é também uma extensão livre de arquivos
de desenho e atualmente é compatível também como o Corel Draw, o famoso editor
de imagens vetoriais proprietário.
Na seção de charges, há algumas
charges que foram feitas a partir de outra veiculada na web, no que diz
respeito ao traço e concepção ideológica. As charges são também editáveis, e
tratam especificamente do trabalho do desenvolvedor numa empresa de software
proprietário.
Em cartuns, o usuário encontra
dois projetos: Fôrmas e Formas e o Projeto Cibernós. O Fôrmas e Formas, tem a
pretensão de questionar valores de enquadramento na sociedade, e os seus
personagens são feitos em formas geométricas. É disponibilizado também, modelos
de personagens e desenhos com possíveis expressões faciais, para o usuário que
não sabe ou não gosta de desenhar. O projeto de Cartuns Cibernós, fora feito
coletivamente com o grupo de pesquisa de Informática na Educação da
Universidade de Passo Fundo, e tem objetivos de discutir questões relacionadas
a cibercultura. Entretanto, em ambos os projetos não há intervenção até o
momento de outros usuários.
A seção de material didático ou
educativo reúne conteúdos referentes a produções dentro do site. Como
tutoriais, passo-a-passo, cartilhas e afins, além de outros projetos como o
Software Livres para leigos, com participação do PSL-Ba.
A seção dos infocentros fora
criada por membro de um infocentro de Salvador na Bahia. O mesmo havia feito um
curso de webdesign e conheceu o espaço, que serviu de material didático e
informativo para o aprendizado sobre Wikis.
O ArteLivre hoje também está
abrigando produções de animações de massinhas de modelar de uma turma da sétima
série de uma escola municipal do município de Marau no Rio Grande do Sul.
Espaços desse nível podem ter uma
participação construtiva na educação. Quando o sujeito em formação, ao manusear
tal ferramenta, lida com questões subjetivas de respeito ao outro, ética,
respeito ao gosto do outro, além de poder explorar tecnicamente diversas
possibilidades. Esse tipo de ferramenta possibilita a construção de projetos de
instalação, performance, animações tudo na web. Bem como, para uma inimaginável
gama de produções com os seus mais simples mecanismos. Se faz importante,
estimular as pessoas a criação em diferentes espaços, diferentes materiais, e
situações. Ambientes assim, podem dar suporte, ou ser a estrutura de todo o
processo educativo.
Nesse caminho, o sentido de criar
e manter ambientes assim na web, ultrapassa questões mercadológicas e de
doutrinação de usuários para um sistema operacional. O objetivo maior desse
tipo de espaço, não depende do resultado a ser alcançado, mas a processos de
convivências ricos e criativos. Nesse sentido, o espaço será sugerido para que
seja estruturante do processo de produção de arte digital, de forma que se
mantenha como um espaço de encontro e outras produções.
Essa
postura de colaboração, perante a produção de conhecimento é própria de uma
sociedade que devido ao seu contexto científico-tecnológico, não quer mais ser
só consumidora, receptora, espectadora.
Por esse motivo, vivências artísticas dentro da
cibercultura, podem permitir que se dissolva inclusive, a dominação
político-econômica e cultural a que estamos submetidos, pois padrões
artísticos, cultuados pelo academicismo advindos da cultura norte-americana e
européia podem ser repensados, uma vez que, quando na rede, se pode copiar,
colar, modificar, interagir, distribuir, refazer, desfazer. A arte digital,
nesse sentido, prima pelo processo e não pelo resultado final. Prima pela
participação e pela construção de novos sentidos.
Aliar uma visão de arte
(digital) libertadora e colaborativa a uma cultura (digital) descentralizadora
pode nos levar, de fato, à uma vivência social mais digna e menos competitiva,
quando intencionadas a isso. Afinal "a criação em rede é um lugar de
experimentação, um espaço de intenções, parte sensível de um novo dispositivo,
tanto na sua elaboração e sua realização como na sua percepção pelo outro"
(PRADO, 2002, p.123). A inclusão digital através da arte, nesse sentido,
pressupõe e proporciona uma quebra de concepções preconceituosas, elitistas e
conservadoras sobre a arte. A hibridação
entre autor e público/espectador, permite outra relação com a obra. Assim o
papel do produtor de arte na rede muda, nesse sentido Prado (2002, p. 117) diz
que "o artista é mais um potencializador de ações do que um produtor de
artefatos".
Assim, a cada inovação tecnológica existe o potencial de
infinitas inovações artísticas, pois o poder comunicativo e criativo da arte na
cibercultura é determinante para tais criações. Nesse contexto, o senso
investigativo é característica primordial para a arte desse século, bem como
para os processos educativos que visem
senso crítico e autonomia.
Entretanto, os processos educativos a que estamos acostumados
tem a mesma lógica de uma produção artística tradicional e analógica, onde o
professor é o ditador de verdades (o artista), e os alunos são receptores de
suas idéias geniais (público/espectador), não dando-se conta do seu próprio
inacabamento, enquanto artista ou professor. Para Freire, "o inacabamento do
ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital" (1996, p.50). Para
o autor, "quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado,
forma-se e forma ao ser formado" (1996, p. 23) e essa premissa, entra em
acordo com uma visão de rede, que entende todos como sujeito em formação num
processo horizontal, diversificado e simultâneo com o saber.
A arte digital tem como pilar o seu inacabamento e todos são
insubstituíveis nesse processo infinito de busca, bem como na sociedade, ser
cidadão, implica num processo ativo, único e pessoal perante ao grupo. Pois a
subjetividade intrínseca nos processos artísticos, multiplica-se em processos
artísticos em rede. Para Levy (1995, p. 78) "a arte está na confluência
das três grandes correntes de virtualização e de hominização que sãos as
linguagens, as técnicas e as éticas (ou religiões)" para o autor, a arte
fascina, porque coloca em prática "a mais virtualizante das
atividades".
A arte na rede, para Dyens (2003, p.270) "é uma arte na
qual verdades, realidades e sensibilidades se desvelam, mas sempre diferentes,
sempre discreta, e principalmente, sempre latentes”, nesse sentido, reafirma,
seu poder de instrumento de inclusão social, pois sustenta-se pela diversidade,
pela diferença, horizontalidade e igualdade de potencial criativo. Já Domingues
(1997, p.17) afirma que "a arte tecnológica também assume uma relação
direta com a vida, gerando produções que levam o homem a repensar sua própria
condição humana.” Assim, ao contrário do
que muitos dizem, as tecnologias não fazem desaparecer algumas práticas da
sensibilidade humana, mas potencializam as já existentes, porém, se tratando da
incerteza dos caminhos da imaginação, essas tecnologias têm sim, o poder de
criar novas práticas sociais. E quem sabe, ainda mais humanas.
Referências
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In: DOMINGUES, Diana. Arte e vida no século XXI: tecnologia,
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http://www.ufmg.br/diversa/8/entrevista.htm > Acesso em: dia fev. 2007.
[1]
trecho extraído do site ArteLivre:
http://twiki.softwarelivre.org/bin/view/Arte/CopyLeft#4_Liberdades
[2]
http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil
[3]
http://www.fabiofon.com/
[4]
http://www.freakpedia.org/
[5]
http://twiki.org/cgi-bin/view/Main/PeterThoeny
[6]
http://twiki.org/cgi-bin/view/Plugins/TWikiDrawPlugin
[7]
http://twiki.org/cgi-bin/view/Plugins/ImageGalleryPlugin
[8] http://www.ba.softwarelivre.org/
[9] http://www.faced.ufba.br/
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